A um tempo atrás eu talvez
achasse que sabendo todas as respostas, eu conseguiria viver e sair-me bem da
situação que com tanto empenho eu decorei das páginas dos livros.
Ainda me lembro como se
fosse hoje, da pequena garotinha que sonhava em um dia crescer, se formar e
trabalhar. E que sendo assim feito, seria imensamente feliz. Sonhar era tão
essencial que a cada vez que adormecia e acordava, era o mesmo que tocar com os
pés na nuvem fofa e branca de que eram feitos os céus.
Era a viagem sem fim, a terra
do nunca e os contos de fadas que ela decorava avidamente das páginas dos
livros que lia e relia milhares de vezes. Imaginando como em um mundo tão
grande poderia ainda haver tanta discórdia e sofrimento, se a vida era tão
simples, se as soluções estavam a sua frente e na de todas as pessoas ao seu
redor.
Tristeza se curava com um
sorriso, doença se curava com um abraço apertado e um beijo na face. E não
havia melhor coisa, melhor sensação, do que aquela vinda de um abraço de urso
que tirava-a do chão e que a fazia explodir em gargalhadas. Mesmo quando alguém
se ia para sempre, ela ainda sabia que a pessoa jamais se ia… Continuava para
sempre no coração de quem a amava e que Deus cuidava na sua bondade e compaixão
de cada filho que partia para morar ao seu lado.
Um dia era o dia para fazer
tudo o que ela quisesse. Correr, pular, subir em árvores, conversar, gargalhar,
fazer alguém sorrir… Era todo dia o que desejava fazer e era o que fazia-a
dormir rapidamente a cada noite.
Os anos passaram tão
rapidamente, roubando algo que ela jamais poderia cobrar ou pegar do tempo
novamente. Lembranças vividas e que foram esquecidas com o passar dos anos… Quem
ela era ainda estava ali, mas quem ela um dia fora ela de alguma forma sabia
que essa estaria guardada para sempre apenas no seu coração.
Os livros continuavam a
encanta-la, histórias bobas, intrigantes, que a faziam rir ou mesmo querer
chorar com o sofrimento de cada personagem que personificava na própria alma…
Os livros e suas histórias tomaram parte em um lugar importante dentro dela
mesma, um lugar que talvez ela ainda não soubesse, mas que criava a cada dia
uma história própria que crescia lentamente de dentro para fora.
Os anos gentis continuavam.
O vento trazia sabores e nomes a coisas que ela conhecia e que apenas tomavam
forma em um universo novo que se desenhava a frente. Cada estação trazia algo e
levava com o seu fim um pedaço daquela garotinha que tal qual lagarta se
desabrochava a cada dia rumo a metamorfose que a mudaria e que marca a vida de
cada pessoa a todo segundo no planeta.
Um dia o vento a assoprar
brevemente sobre o cortinado da sua janela lhe mostrou o que era esperança, lhe
mostrou o que esse pequeno sopro que acariciava o coração era capaz de fazer e
o que podíamos conseguir plantando-a e semeando-a na mais tenra idade, e no que
seus frutos eram capazes de modificar por toda uma vida.
Apesar de um dia ou outro
encontrar uma pedra, de levar um tombo e tropeçar, ainda assim aquela esperança
insistia que ela deveria persistir. Insistia que para cada passo errado e
caminho duvidoso sempre podia levantar-se novamente e tentar.
O vento insistente trouxe ao
correr do tempo, brisas, ventanias, vendavais. Cada qual a seu tempo e com cada
sopro de vento uma nova pessoa a se moldar, nem percebendo que o passar dos
anos empurrava aquela esperança mais e mais para o fundo do imenso e belo
jardim que se formava na sua alma.
Um dia a tempestade se
abateu forte e imprevista, trazendo desconfiança e medo. E hoje ela talvez
soubesse que toda a inocência da infância se fora no dia que os medos tomaram
conta de parte das suas noites e que haviam tomado forma e alcançado mesmo os
seus dias.
O mundo não era tão fácil
como antes parecera e ela aprendeu que precisava construir muros sobre coisas
que ela queria ainda resguardar. Mesmo a própria vida precisava de segurança
onde tudo o que imperava a sua volta era: medo, desconfiança e discórdia.
Todos podemos mudar o mundo.
Todos podemos cada um fazer a sua parte. Pequenas ações que modificassem a vida
de alguém poderiam transformar aos poucos o coração de quem se perdeu no
caminho do medo.
A vida era por um tempo
resumida na fé de que compaixão e doação poderiam mudar a realidade de alguém.
Uma palavra amiga, um gesto de carinho sem querer nada em troca era o que aquecia
o coração de uma jovem que ainda vivia parte da alma de criança que ela fora um
dia.
Pensava nessa época que o
amor era apenas vontade de vive-lo, era de fato fazer senti-lo nas pequenas
coisas e acontecimentos. E era difícil cada vez que errava me deparar com a
culpa pelo erro e ter que manda-lo embora…
Uma luta diária se travava.
Uma luta por vencer as barreiras que haviam sido criadas como proteção através
do tempo… Nada no mundo seria capaz de explicar-me o que era amar de forma
desinteressada e sem medidas se eu mesma não houvesse sentido esse amor na
própria pele.
É por isso que ainda
acredito que vale a pena ter esperança, que vale a pena acreditar nas pessoas e
que mais que tudo: ainda se pode amar mesmo que a pessoa a quem devotamos amor
não corresponda o que de graça ofereçamos.
Mas que mesmo essa crença
poderia acabar destruindo a pessoa que nos tornamos, se a fé não se alicerçar
na vida, sem a fé a crença desse tipo de amor é nula e acaba por destruir na
primeira desilusão, ao primeiro fracasso, o fiapo de esperança que ganhava
força inicialmente.
Os sentimentos que o vento
irremediavelmente trouxe, por vezes fazem fraquejar, por vezes nos derrubam e
machucam, mas eles são apenas o reflexo do que nossas atitudes são capazes de
modar em nós mesmos.
Quando eu fosse me apaixonar
eu seria toda e qualquer menina que vive esse sentimento. Mas ainda assim eu
poderia mandar ainda na pessoa que eu seria nesse dia.
A paixão não nos separa da
pessoa que somos de verdade. E aquela garotinha que eu fui um dia talvez me deu
a resposta que eu mais precisava naquele instante. Não havia sofrimento que
durasse pela eternidade, exceto aquele que quiséssemos impor a nós mesmos…
E se decidindo continuar eu
jamais esquecesse? Naquele momento eu saberia então que aquela paixão era na
verdade amor… E amor mesmo que não correspondido era libertador e me tornava
capaz de amar cada dia mais e me libertar dos meus medos…
O Tempo muda as pessoas, o amor transforma-as e os sonhos fazem as pessoas subir ou cair. Porém o resultado final depende sempre de cada um.
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